João Rocha: Dos Açores para o Mundo

João Rocha

Já foi o homem dos sete ofícios, mas a paixão pela barbearia chegou quando menos esperava, numa visita a Lisboa. Humilde e audaz, João Rocha confessa que nada no seu percurso foi planeado. O caminho fez-se de trabalho, suor, dedicação e, sobretudo, paixão.

Conte-nos como tudo começou…

Ao contrário do que muitos pensam não era um sonho de criança, ou algo que queria muito, aconteceu por coincidência, ou destino… A verdade é que sempre me senti um empreendedor, no entanto ainda não tinha descoberto a minha verdadeira vocação. Trabalhei durante alguns anos numa agência funerária, depois rescindi contrato para abrir um stand de motas. Mas a crise financeira, em 2007, obrigou-me a desistir desse projecto, no qual tinha investido tudo. Mas nunca baixei os braços e até na construção civil trabalhei. Um dia decidi acompanhar a minha esposa, que é esteticista, a Lisboa, para uma formação. Enquanto esperava por ela visitei a escola onde estava a decorrer a formação e conheci um professor de cabeleireiro. Conversámos e ele tentou motivar-me a tirar o curso de barbeiro. O curso não era propriamente barato e para mais era longe de casa… Mas decidi arriscar. Mal eu sabia que assim que cortasse o primeiro cabelo me ia apaixonar por esta arte, que tem a capacidade de transformar as pessoas.

Quais foram os passos seguintes?

Investir em mim enquanto profissional. Tudo o que ganhava investia logo noutra formação. Como já tinha o curso base investia em formações em Academias, ou com artistas com quem eu me identificava e admirava, entre eles Vidal Sassoon, Toni&Guy, BarbersClan, Josh Lamonaca. Quanto mais aprendia, mais feliz e à-vontade com os desafios da profissão me sentia. De tal forma que marcar presença em formações e aprender mais tornou-se quase um vício.

Abriu a primeira barbearia em 2014 na sua “ilha natal”, a ilha Terceira, como é que correu?

Lembro-me que foi com muito medo. Como tinha gerido um negócio que fracassou, tinha receio que tudo corresse mal, mas a vontade de fazer acontecer e dar asas à paixão que tinha acabado de descobrir foi mais forte.

Barbearia João Rocha Açores

Como é que surgiu a oportunidade de abrir um outro espaço, neste caso em Ponta Delgada?

A única Escola de Beleza e Estética que existia nos Açores era na ilha de São Miguel, e ao fim de dois anos de profissão, fui contratado para dar um workshop de técnicas avançadas no curso de cabeleireiros e barbeiros dessa escola. Passei a deslocar-me a São Miguel com uma cadência trimestral e comecei a gostar da cidade de Ponta Delgada, onde já tinha vários seguidores que acompanhavam o meu trabalho nas redes sociais e me aconselharam a abrir uma barbearia naquela ilha, porque não existia nada do género. Como é a maior ilha dos Açores, fazia todo o sentido e, uma vez mais decidi arriscar e abrir uma barbearia em São Miguel. Não dispondo de uma equipa como a que tenho hoje, passei a dividir o meu tempo entre ilhas. Na altura não tinha dias de folga, os clientes esperavam horas para serem atendidos, mas era a única forma que tinha de manter as duas barbearias. Até que percebi que precisava mesmo de criar uma equipa.

“Quanto mais aprendia mais feliz e à-vontade com os desafios me sentia”

Como é que é composta a sua equipa?

De momento temos uma equipa de onze profissionais, dos quais sete são barbeiros, três são esteticistas e um é tatuador.

Foi fácil arranjar colaboradores de acordo com o conceito que tinha para os seus espaços?

Não foi fácil, porque eu não procuro apenas profissionais, eu procuro pessoas com carácter, honra e palavra. Consigo ensinar 100 pessoas a cortar cabelo, mas não consigo ensinar 100 pessoas a ter princípios e valores. Depois de encontrarmos profissionais que tenham a mesma mentalidade que procuramos, que é a de evoluir na profissão e com a vontade de prestar ao cliente um serviço único, fica mais fácil trabalhar e motivar essas pessoas.

Equipa João Rocha

E como é que mantém equipas motivadas à distância?

Um dos principais focos é, sempre que possível, organizar formação interna com toda a equipa, porque todos juntos, além da aprendizagem, temos o convívio e isso é importante para manter a moral e motivação.

Como é que faz a gestão de tempo para se dividir entre os dois espaços?

Hoje em dia é bem mais fácil, porque tenho uma equipa extraordinária, que me permite mais “liberdade”. No entanto as coisas têm de ser geridas, os stocks, a atenção a toda a equipa e aos clientes, gerir a agenda e redes sociais dos dois espaços… a vertente de gestão não é a que mais me motiva, o que gosto mesmo é de estar com os meus clientes, de tratar da imagem deles, do cheiro a after shave, do sorriso no final do corte, das nossas conversas e confidências…

O que é que diferencia os dois espaços, além de estarem situados em ilhas diferentes?

Na ilha Terceira, a nossa barbearia fica localizada numa freguesia, ou seja, o espaço foi idealizado a pensar na população local, que encontra aqui um local perto de casa onde podem tratar da sua imagem na hora. Já a nossa barbearia em Ponta Delgada foi pensada de forma a proporcionar uma experiência diferente ao homem moderno, que se preocupa com a sua imagem, que vai com tempo para desfrutar do seu momento. Situada mesmo no centro da cidade, é um espaço amplo com vários serviços extra à barbearia, desde bar, um estúdio de tatuagens, snooker, entre outros. É também neste espaço que se encontra a nossa Academia, onde sempre que conseguimos, organizamos workshops para profissionais, onde fazemos “reciclagem de conteúdos” e leccionamos novas técnicas e apresentamos novas tendências.

Qual é a mais “popular”?

Na minha opinião são ambas igualmente populares. A da Terceira, pelo facto de ter sido onde tudo começou a continua a manter esse carisma, e a de Ponta Delgada por ser um espaço diferenciado, como existe poucos em Portugal e mesmo pelo mundo.

Quem é o seu tipo de cliente?

Não temos um perfil de cliente definido, isto porque temos clientes, literalmente, de todas as idades, estatutos sociais e profissões. Mas, podemos considerar que o nosso público-alvo é o cliente que é exigente com a sua imagem. Por isso é que não gostamos de atender em quantidade, mas em qualidade, porque ao serem nossos clientes estão a fazer um investimento na sua imagem.

Já alguma vez algum cliente lhe pediu algo mais complicado?

O cliente que me pediu algo mais complicado foi, por acaso, um jogador de futebol conhecido, que quando cortou comigo pela primeira vez estava indeciso, e o corte que ele queria era impossível para o tamanho de cabelo que ele tinha na altura. Então tivemos de passar por um momento de “negociação” até conseguirmos chegar a um consenso, sobre o que ele queria, o que eu achava que lhe ia ficar melhor e o que era possível fazer.

Efectivamente tornou-se conhecido como “o barbeiro dos jogadores”. Como é que surgiu este reconhecimento por parte de vários jogadores de clubes nacionais e internacionais?

Foi de forma “natural”, sem estar à espera, ou algum dia sequer ter sonhado com isso. Ainda para mais estando numa ilha, nunca na vida podia imaginar que iria ao continente de propósito cortar o cabelo a algum jogador de futebol. Só que como costumo dizer, não existe sorte, existe trabalho e dedicação. E tudo começou quando um jogador viu o meu trabalho nas redes sociais e contactou-me. A partir daí, depois dos colegas verem o corte, quiseram cortar comigo e acabei por ficar conhecido no meio. Nem sempre é fácil ir ao continente para fazer os cortes, mas quando vou tento sempre arranjar tempo para eles. Agora aqui nos Açores também temos um clube na primeira liga e os jogadores são clientes regulares na nossa barbearia.

Formação é partilhar informação, porque se outros não tivessem partilhado comigo eu também não tinha evoluído.”

Foi recentemente nomeado para um Grammy, na categoria “A-list Barber of the Year” pelo “História” nos E.U.A.! O que representa para si esta nomeação e este reconhecimento?

Para mim foi outra das coisas que nunca esperei que acontecesse! A essa lista só costumam pertencer grandes nomes mundiais e haver um português nomeado entre tantos profissionais incríveis, era algo impensável! Mas mais uma vez, com trabalho e dedicação supera-se tudo. Todavia, olhando para trás também achava inimaginável um barbeiro português fazer a abertura de um dos maiores eventos de cabeleireiros em Milão, ou ser convidado para estar em palco em Nova Iorque, Los Angeles e Las Vegas… mas aconteceu e tudo que fui conquistando, foi pago com o meu trabalho, ninguém me financiou ou ajudou, comecei do zero literalmente! Por isso, quando olho para o passado, percebo que esta nomeação representa todo esse esforço, meu e da minha família e agora também da minha equipa.

Os prémios e distinções estendem-se a outras áreas como empresário e até recebeu uma medalha de honra municipal. O que esteve na origem destas distinções e que impacto tiveram no seu negócio?

Sim, recebi alguns prémios e distinções a nível pessoal e empresarial, mas que estavam sempre ligadas a esta arte. Nunca escondo de onde venho, pelo contrário, onde quer que vá levo sempre comigo a bandeira dos Açores e/ou de Portugal, porque tenho orgulho de ser açoriano e português. Foi por esse motivo, o de levar os Açores além-fronteiras, que mereci esse reconhecimento. Num reconhecimento ainda mais pessoal, fui homenageado pelo trabalho de voluntariado que fiz em Moçambique, onde estive a ensinar e a ajudar vários jovens em dificuldades.

Em 2019 inaugurou The Barber Shop Academy, também em Ponta Delgada. Que papel tem a formação na sua carreira?

Não me revejo como professor, nem me imaginava a leccionar um curso completo de barbearia, mas gosto de manter o contacto com pessoas da mesma área, sejam iniciantes, ou veteranos, acho que é muito enriquecedor. Foi esse o motivo que me levou a criar a academia: para apresentar workshops ou, como lhe gosto de chamar, partilhar informação, porque se outros não tivessem partilhado comigo eu também não tinha evoluído.

Como é que está o agendamento de formações na Academia?

Para já estamos em “standby” devido à pandemia. Continuamos a receber mensagens de profissionais que querem realizar formações connosco, no entanto, e apesar de ficarmos muito felizes por nos verem como uma referência no mercado, decidimos fazer uma pausa e só regressar com formações presenciais quando for seguro para todos e sem restrições ou receios.

Também é júri e formador internacional. Como é que se atinge este patamar?

Sim já fiz o papel de jurado na Escócia, em Itália, em Espanha, Las Vegas e Nova Iorque. Aconteceu surpreendentemente, como todos os patamares que fui alcançado profissionalmente. A primeira vez que fui júri foi na Escócia, e foi algo ocasional, ou seja, contrataram-me para dar uma formação e alguns dias depois perguntaram-me, se uma vez que ia estar em palco, podia ser júri numa batalha que ia haver após essa formação. Obviamente que aceitei e a partir dai foram surgindo outros convites. Considero até que faz mais sentido os júris serem estrangeiros em vez de escolherem júris que têm contacto directo, ou ligação com os participantes nos concursos, como se faz cá em Portugal.

João Rocha está nomeado para um Barber Grammy na categoria “A-List Barber of the Year”

Pela primeira vez um português está nomeado para um Grammy da Barbearia! Barber Grammys é o evento máximo da barbearia a nível mundial realizado em Connecticut, EUA. Este evento é inserido no “Connecticut Barber Expo”, feito anualmente nos Estados Unidos e é o maior evento de barbearia do Mundo, incluiu uma batalha de barbeiros, exposição e gala de prémios, começou á cerca de 10 anos num bar noturno com cerca de 100 barbeiros na altura, depois foi crescendo, no ano seguinte contou com 500 profissionais, e neste momento  realizasse no centro de convenções em Hartford, Connecticut e conta normalmente com cerca de 50000 profissionais, desde barbeiros, cabeleireiras e esteticistas.

Post com alguns trabalhos de João Rocha aqui
https://www.joaorochabarber.com/