Tiago Carvalho: De Portugal para o mundo

Conhecemos o Tiago Carvalho há 22 anos, desde o seu primeiro dia na L’Oréal Portugal, e acompanhámos de perto o seu impressionante percurso que só vem validar a nossa crença e um dos nossos lemas “Portugal tem talento”. De Lisboa ao Brasil, passando pelo México, Argentina e agora Singapura, Tiago que nunca perdeu o foco nas raízes portuguesas, partilha connosco os desafios, conquistas e a experiência de liderar um dos mercados mais complexos e promissores da indústria da beleza. Uma conversa reveladora sobre adaptabilidade, inovação e a marca indelével da portugalidade no palco global.

 

Perfil

Com um percurso profissional de 22 anos, toda a sua experiência passa pelo Grupo L’Oréal onde começou, em Portugal. Uma casa onde esteve 11 anos e passou por várias funções, desde Gerente de Produto a Director de Marca L’Oréal Professionnel. Em 2013 partiu para o México para assumir a  Direcção de  Marketing da Divisão de Produtos Profissionais (DPP) para a região da América Latina. Decorridos 2 anos foi para a Argentina como Director-Geral DPP, e em 2017, iniciou uma experiência de 5 anos no Brasil, “um dos maiores mercados de Beleza do Mundo”, como Director-Geral na DPP. Em finais de 2022, assume um novo e maior desafio, em Singapura como Diretor Geral na região SAPMENA (Sul da Ásia,  Pacífico,  Médio Oriente e Norte de África) com operações directas em 15 países entre os quais Austrália, Filipinas, Vietname, Indonésia, Tailândia, Malásia, Singapura, Índia, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Egipto.

 

Conte-nos, como é ser um expatriado? 

É uma experiência bastante gratificante. Poder ser recebido em diferentes países e aprender diferentes culturas, distintas formas de olhar o mundo, é extremamente enriquecedor. Depois, fazer tudo isso em família é uma aventura que nos preenche e reforça o vínculo entre todos nós.

 

Quais foram para si os maiores desafios e conquistas neste percurso?

Os desafios maiores são sempre de adaptação cultural. De chegar com malas e bagagens a um novo país e, rapidamente, tentar encontrar a normalidade, seja na vida pessoal ou na vida profissional.

As conquistas são sem dúvida o desenvolvimento de talento nas equipas por onde passei. Nada me soa mais a conquista do que o reconhecimento das equipas sobre a “marca”  que deixei neles com o meu estilo de liderança. Assim como ver carreiras crescerem  e saber que tive algum impacto, ainda que mínimo.

 

Que dimensão ganhou com toda esta experiência internacional, quer ao nível pessoal, quer profissional?

Em primeiro lugar, uma dimensão humana. Olhar para o Mundo sobre diferentes perspectivas e sempre com uma empatia enorme sobre cada local, cada cultura, cada personagem.

Depois, uma dimensão global. Saber que o Mundo não é só o que vemos a partir de Portugal, mas ele tem nuances diferentes quando visto desde o Brasil, Singapura ou desde a Arábia Saudita ou a Índia.

Para terminar, uma capacidade de adaptabilidade única e que nunca pensei ser capaz de realizar. Saber que os nossos valores são intrínsecos e que não  mudam mas que os nossos comportamentos se podem e devem ser ajustar e adaptar ao contexto em que nos inserimos.

 

Passou pelo México, Argentina, Brasil e agora está sediado em Singapura. Há algum destes países que lhe tenha deixado uma “marca” especial? 

Todos eles deixaram uma marca especial. O México pela sua cultura vincada por rituais e celebrações  e uma gastronomia única.  E também porque o meu filho mais novo nasceu na Cidade do México. A Argentina pelas amizades, o acolhimento, a criatividade para ultrapassar contextos sociais e económicos bastante voláteis. O Brasil pela beleza natural, pelo calor do povo e das paisagens, a energia e a paixão. O Brasil é claramente a minha segunda casa. E Singapura, pela capacidade de organização, de funcionamento do país, das instituições, da seriedade das pessoas e das lideranças. Um exemplo a ser seguido.

 

Como é que o mercado SAPMENA (Sul da Ásia, Pacífico, Médio Oriente e Norte de África) se distingue em termos de complexidade ou inovação face a outras regiões onde já trabalhou?

Pela sua dimensão geográfica é um desafio gigante. A região SAPMENA conta com 40% da população mundial, e está presente ao longo de 13 fusos horários, de Marrocos a Nova Zelândia. É a região onde o Sol nunca se põe.

É um mercado com um enorme potencial de crescimento, em especial na Índia, Indonésia ou Arábia Saudita. 

E também um mercado em grande transformação. Cada vez digital, cada vez mais sofisticado e onde as marcas precisam de se esforçar muito para diferenciarem a sua oferta. Mas os mercados entre si são bastante diferentes. No Médio Oriente ou na Índia, os rituais de tratamento nos salões são muito comuns e muito sensoriais. Já no Sudeste Asiático são mais objectivos, mais ligados a problemas específicos no couro cabeludo.

 

Que competências considera essenciais para liderar num mercado tão diverso?

Considero importantes 3 competências fundamentais:

  1. Agilidade. Na adaptação, na velocidade.
  2. Mentalidade vencedora. É preciso sonhar alto para vencer em meios muito competitivos e contagiar essa mentalidade para as nossas equipas.
  3. Foco. Como as oportunidades são muitas,  o maior erro pode ser tentar abraçar tudo ao mesmo tempo. É fundamental focar e fazer escolhas.

 

Ser português foi (ou está a ser) uma “ferramenta” determinante neste processo de liderança?

Ser português é um grande privilégio. Nós somos diáspora no mundo desde o século 15. Temos nos nossos genes esse espírito de descobrimento e adaptação, de conquista e de resiliência. Somos também olhados frequentemente de forma bastante amigável e muito bem recebidos por onde passamos.

 

Nos países por onde passou, que diferenças culturais sobre o conceito de beleza mais o surpreenderam?

A beleza é universal e está presente em todos os países, povos e culturas. A beleza é também uma forma de expressão de individualidade e de diferentes culturas. Vejo a beleza cada vez menos estereotipada e cada vez mais genuína

Claro que os padrões de beleza no Brasil ou em Singapura são diferentes. 

Ou, dentro do mesmo país, entre diferentes culturas ou religiões. Veja-se o caso das mulheres muçulmanas que usam hijab onde o cabelo está coberto apesar de extremamente cuidado, com colorações sofisticadas. 

Mas vejo também muitas tendências que viajam de um continente para o outro. Os botox capilares brasileiros estão presentes na Índia. A cultura Koreana do K-Pop está presente em toda a Ásia mas também no médio oriente.

 

Como vê o mercado global de cabeleireiros actualmente? Quais são, na sua opinião, os principais desafios que  a indústria da beleza profissional enfrenta hoje? 

Os cabeleireiros são impulsionadores de tendências e criatividade em todo o mundo. São agentes de beleza fundamentais e desempenham um papel de personalização e criação de identidade para cada indivíduo.

Mas existem muitos desafios para a indústria nos dias de hoje. Eu vejo 3 grandes desafios:

Em primeiro  lugar, é fundamental continuar a recrutar consumidores para os salões e para isso necessitamos de reinventar a experiência, com melhores espaços, melhor serviços e mais diferenciação. 

Em segundo lugar, a escassez de mão- de-obra é  outro problema. Precisamos de continuar a atrair novos profissionais para o sector e ter ferramentas para uma educação de qualidade.

Em terceiro lugar, a cultura do ‘do it yourself.’ Com o crescimento das redes sociais, os novos consumidores em especial a geração Z, esta cada vez mais distante dos salões porque acredita que pode fazer tudo em casa. Precisamos urgentemente de atrair essa geração que é o futuro do mercado e é altamente influente.

 

E quais são para si as principais inovações no sector? (tecnologia, digitalização, IA, personalização, sustentabilidade, etc.).

São várias a áreas de inovação no sector. Na Educação vemos cada vez mais plataformas com conteúdos do Pro para o Pro, quando antigamente eram das marcas para o Pro. 

Na área da sustentabilidade, a  de reciclagem de resíduos, incluindo cabelo, ou a redução de consumo de água e energia vem registando também bastantes inovações.

Na área da digitalização do salão, os virtual try on e as câmaras de diagnóstico estão a permitir ampliar a experiência e demonstrar de forma mais visível o antes/depois.

 

A IA anuncia uma transformação do sector? De que forma esta já a impactar e o que se prevê?

A IA vai, definitivamente mudar o mundo que conhecemos. Mas eu sou bastante positivo e acredito que vai ajudar o sector na hiper personalização das relações, para fornecer dados mais rápidos aos profissionais sobre os seus consumidores. No final para ter clientes ainda mais felizes.

 

Estarão os profissionais preparados para esta “revolução”? Que papel tem aqui a formação?

A principal formação necessária é entender este fenómeno da inteligência artificial. E o tema não é sobre robôs que irão substituir humanos a cortar cabelo mas sim como entender melhor o poder de organizar os dados dos seus clientes, tratá-los de forma sistemática para os usar em benefício do seu negócio. E olhar com a ajuda da IA podemos ter mais consumidores nos salões, que consumam mais serviços e produtos e saiam mais felizes no final de cada visita. O salão é um lugar de personalização, recomendação e prescrição. Se a IA nos ajudar a personalizar e recomendar melhor está a tornar o trabalho de todo o sector mais fácil e mais efectivo.

 

Olhando para os formatos que hoje estão disponíveis, conteúdos e formas de consumir formação, o que mais mudou nos últimos anos? E onde é que se espera mais mudança?

Por via do digital a educação está  hoje mais acessível que nunca. Mas a aprendizagem mais eficiente é “aprender fazendo”. Por isso a Educação hands-on continua a ser o método mais eficiente. A grande diferença nos dias de hoje é a velocidade das mudanças. A formação tem de ser um acto continuo. Não apenas para quem está em início de carreira mas para todos, inclusivé os profissionais mais experientes.

 

Em que regiões do mundo estão a surgir tendências que podem moldar o futuro do sector?

Existem várias tendências ao redor do mundo. 

No Mundo Ocidental, em especial nos EUA e na Europa, os salões estão a tornar-se espaços mais pequenos, reforçando a ligação “intimista” com o cliente, mais personalizados, mais únicos. A chave do jogo é  tentar diferenciar-se dos demais, através de um serviço altamente personalizável.

No Brasil, no Médio Oriente e na Índia, os salões são espaços para a comunidade. São espaços cada vez maiores, integrando Clinicas para Pele, Cafés, outros serviços que façam as pessoas passarem mais tempo em cada visita.

Na Asia, a abordagem é mais cientifica e orientada para o resultado. Por isso as Clínicas de Scalp são um conceito em franca expansão.

Acredito que o segredo está  em olhar para todas elas e entender como continuar a evoluir.

Mas de uma forma geral eu apostaria sempre por colocar o Profissional no centro da equação. E a qualidade do staff que determina uma grande parte da satisfação do consumidor. Em seguida, inovar sempre e trazer uma proposta diferenciadora seja no ambiente do salão, seja  nos serviços oferecidos. Se um Hotel, um SPA ou um Restaurante tem uma proposta única, porque é que todos os salões devem oferecer os mesmos serviços e sempre ter um chão branco num ambiente de muito ruído?

 

Como é que o mercado europeu se posiciona neste cenário de tendências e adaptação à inovação? 

Tenho estado mais longe do mercado europeu nestes últimos anos mas a Europa é  o centro das tendências da moda, da criatividade e da inspiração artística. Trazer e reforçar esse expertise será sempre uma mais-valia.

 

Que perspectiva tem hoje do mercado nacional?  

Portugal tem um posicionamento muito forte como mercado. A qualidade dos serviços é  boa, os profissionais têm uma cultura de formação contínua e temos salões muito bonitos espalhados pelo país. Podemos não ter nomes com projecção internacional mas temos na minha opinião um dos melhores mercados custo / benefício que conheço.

Os portugueses onde naturalmente se incluem os cabeleireiros são muito trabalhadores e muito dedicados. Vejo muito brio profissional e muito brilho nos olhos cada vez que falo com um cabeleireiro em Portugal. Somos, naturalmente apaixonados pelo que fazemos.

Talvez os outros países não identifiquem em Portugal ainda o Cristiano Ronaldo dos salões de beleza mas temos conceitos fantásticos e sempre que venho ao país tenho a curiosidade de ver o que existe de novo no mercado.

 

Quem são os profissionais internacionais que sugere como grandes referências no sector da beleza? 

Existem muitos jovens talentos que posso citar. No Brasil o Washington Nunes, o Rafael Bertolucci, o Romeu Felipe. Nos USA Chris Appleton, Anh Co Tran, Dafne Evangelista. Nicolas Halak no Dubai ou Gong em Bagkok. Isso para fugir aos nomes convencionais que poderíamos mencionar em Paris ou em Londres.

E claro em Portugal, vejo muito talento no Claúdio Pacheco e um conceito muito interessante a surgir com o Ricardo Vila Nova. Depois há nomes incontornáveis como o Vasco Freitas que tem a capacidade contínua de nos surpreender e impressionar.

 

O Lado B de Tiago Carvalho

Casado e pai de 3 filhos

A maior conquista: A minha família

Lema de Vida: Keep Walking

Maior motivação no dia a dia: Qualquer pequena vitoria.

País ou cidade de eleição (ou viagem inesquecível): Rio de Janeiro

Locais de visita obrigatória em Portugal: Lisboa

Prato preferido: Bacalhau Assado no Forno

Clube de Futebol: Sporting

Livro /Filme/Série que o tenha impactado: Recentemente, Ted Lasso (série)

Apps e Rede Social preferidas: Spotify

Como gosta de passar o tempo fora do ambiente de trabalho: Com amigos, na Praia, perto do Mar. E com Sol!

Hábito ou rotina que o  ajuda a manter o equilíbrio entre vida pessoal e profissional: umas boas partidas de ténis.

Hobbies: Ténis e Música

 

Sobre o mercado editorial

É consumidor de revistas do sector? Quais? Escolha fácil: Tom sobre Tom.

O que mais valoriza numa revista? A consistência editorial. O rigor e os detalhes.

Continua a ler na versão print, ou só consome leitura digital? Muito mais no digital actualmente, mas reconheço que o print ainda é uma experiência superior.