Sofia Dinis: “As tatuagens são mensagens de alma”

“Amor, amor, amor.” Estas foram as palavras que Sofia Dinis escolheu, aos 26 anos, para se tatuar pela primeira vez. A escolha não foi um acaso. A vontade de preencher o corpo com desenhos surgiu da necessidade de aumentar a auto-estima e evitar o estigma das marcas da psoríase, a doença que a atormenta desde os nove anos. A Tom sobre Tom foi conhecer a sua história e saber como conquistou mais de 130 mil seguidores no Instagram e qual a sua perspectiva sobre crescimento do mercado das tatuagens.

 

Perfil

Formada em design de comunicação, com experiência na área da estética e com alguns cursos na área da espiritualidade e desenvolvimento pessoal, as tatuagens são uma forma de expressão, em que conta estórias — as suas e as dos outros — numa tela gigante e especial. O traço fino, aliado ao design próprio, conjugado com a exclusividade e “muito rigor e formação” são os ingredientes da receita para o sucesso de Sofia Dinis. A tatuadora aprendeu tudo sozinha e dedicou-se à profissão aos 33 anos. Agora, aos 39 colhe os frutos de todo o esforço e dedicação: uma agenda sempre completa, que só abre de três em três meses e que passa por um processo de selecção, em que a artista escolhe os projectos que mais lhe interessa passar para a pele de alguém. Sofia adora animais e vive com mais de 600 plantas na “humilde selva” a que chama casa.

 

        @sofiadinis.sheisart

A Sofia é licenciada em Design e tem ainda um curso de estética, mas quis o destino que se apaixonasse pela arte de tatuar. A história do seu percurso já foi várias vezes contada. Mas porquê que foi a profissão de tatuadora que a conquistou?

Sempre gostei de ouvir e de contar histórias. As tatuagens surgiram como uma forma de expressão desse meu gosto. Gosto de tatuar histórias, na pele.

 

Hoje, apresenta-se como “Eu sou a Sofia e sou artista”. Em que é que se inspira para criar a “sua arte”?

Enquanto artista, tudo é fonte de inspiração, desde o movimento do meu corpo, à animação do que me envolve, o que oiço, o que vejo. Mas se tivesse de destacar, duas grandes fontes de inspiração elegia a natureza e os animais.

 

O que é que a distingue enquanto tatuadora?

Quando comecei fui investigar o que se fazia, nesta área, em Portugal e percebi que, para me destacar, teria de construir algo diferente. Nesse processo reparei que uma das coisas que mais pessoas almejam é tempo e espaço para serem ouvidas, assim como o desejo de viverem momentos únicos e exclusivos. Por não querer ser só mais uma tatuadora, comecei a trabalhar neste conceito de ter um estúdio privado, no qual recebo uma pessoa de cada vez e estou inteiramente dedicada a ela durante o tempo da sessão.

“Muitas vezes acabo a desenhar o que as pessoas não conseguem dizer”

E o lado espiritual, como entra no estúdio?

Comparo, muitas vezes, as sessões no meu estúdio, a uma terapia, ou ritual, porque iniciámos o processo na minha sala de desenho, onde oiço as estórias e dores que a pessoa quer partilhar comigo. Leio a sua aura e de todo esse processo nasce um desenho que proponho tatuar. É uma sessão na qual acolho as emoções, a vulnerabilidade e o sentir de quem me honra com a sua presença e confiança. Muitas vezes acabo a desenhar o que as pessoas não conseguem dizer.

 

Sabemos que foi uma autodidata. E actualmente, como é que se actualiza? Faz algum tipo de formação?

Procuro investir, constantemente, na minha formação. Todos os meses faço formações e leio muito. Estudo muitos temas por iniciativa própria, pesquiso, oiço tudo o que me rodeia. “O saber não ocupa lugar”, muito pelo contrário.

 

Que impacto teve o digital para atingir o reconhecimento que tem hoje?

Foi determinante. A base da minha comunicação é feita através da minha página de Instagram, onde muitas pessoas seguem o meu trabalho e se identificam com a minha filosofia de vida e a arte que vou partilhando por lá, diariamente. Sem esta ferramenta digital, não seria tão fácil chegar a tantas pessoas.

 

Fez alguma formação relacionada com a criação de conteúdos ou gestão de redes sociais?

Não, sigo a minha intuição. O que construí e construo em termos de criação de conteúdos e gestão de marca teve uma base autodidata, assim como algumas influências daquilo que aprendi no curso de design e comunicação.

 

Utiliza o digital para gerir a sua agenda?

Sim. O digital é uma ferramenta indispensável para gerir o meu trabalho, quer com as pessoas que querem ter a minha arte gravada na sua pele, quer na gestão da equipa que me acompanha.

 

Fale-nos do seu estúdio. Como é que o descreve?

Quem lá chega costuma dizer-me que parece uma casa do Pinterest. Na verdade, todos os detalhes foram pensados ao pormenor. Vejo a minha casa como uma humilde selva, não só pelo amor que tenho às mais de 600 plantas que lá habitam, como pelos benefícios que me trazem e a quem me visita em termos de limpeza energética. Por outro lado, a cor do estúdio é outro elemento que o distingue. O verde representa a minha marca, a minha identidade enquanto Sofia Dinis. Esta é a cor da cura, do amor, da arte, da natureza, da leveza e harmonia e da coerência. Tudo isto influencia positivamente o resultado da minha arte e o conforto de quem recebo. Gosto que todas as pessoas se sintam bem neste espaço.

 

E quais foram as preocupações que teve na sua concepção?

Recebo, diariamente, muitas histórias, algumas com uma “carga negativa” muito forte. Preciso de me proteger e às próximas pessoas que chegam ao espaço. Por isso, tenho o meu estúdio recheado de plantas, vários cristais estrategicamente posicionados e incensos potencializados para a cura.

 

Que impacto tem a decoração e o ambiente na sua criatividade?

É fundamental que o espaço em que tatuo tenha muita luz natural e que me permita estar em contacto próximo com a natureza. Por outro lado, mantenho sempre uma decoração organizada para que também a minha mente possa encontrar alguma ordem. A nossa “casa” é o reflexo da nossa mente.

 

E como são garantidas as exigências de Higiene e Segurança?

Cumpro todas as normas de higiene e segurança. Respeito as regras de higiene para evitar contaminações cruzadas e uso material certificado de acordo com as normas europeias. Para além disso, só utilizo tintas e materiais vegan, acreditados e validados pelo Infarmed.

 

Da sua experiência, o que leva as pessoas a tatuarem-se? E quais são os pedidos mais frequentes?

Tatuar é a expressão do desejo de marcar, na pele, algo que se deseja ser eterno. São mensagens da alma. A maior parte das pessoas que chega até mim procura eternizar o amor que sente por si, por algo ou alguém.

 

Quais os cuidados que recomenda depois de tatuar?

É importante perceber que uma tatuagem começa por ser uma ferida que leva cerca de um mês a cicatrizar por completo. Por isso, é importante ter alguns cuidados especiais durante esse período, tais como não coçar essa zona da pele ou arrancar peles/crostas, hidratá-la com uma camada fina de óleo de coco e protegê-la do sol. Também desaconselho banhos longos e com água muito quente, ou em águas que possam estar contaminadas como a das piscinas, mar ou lagos. Sugiro que, durante a primeira quinzena, se evite praticar desporto, porque o suor e a sujidade podem originar uma inflamação. Além disso, também não se deve fazer depilação com cera, creme depilatório ou com lâmina na zona tatuada. Costumo dizer que 50% é feito por mim, e os outros 50% são da responsabilidade do cliente.

 

E antes, há algum cuidado especial a ter?

Há algo fundamental: cuidarmos da nossa pele, o maior órgão do nosso corpo. Por isso, aconselho sempre que as pessoas tenham alguns cuidados de hidratação, quer externamente, através de cremes hidrantes, quer internamente, bebendo água diariamente. Antes de uma sessão de tatuagem alerto sempre para a importância de zelar pela zona em que se vai tatuar. Não é permitido fazê-lo com queimaduras solares, ou com feridas.

 

Como olha para o crescimento do mercado das tatuagens em Portugal?

Embora veja que o mercado cresceu, ainda existem muitos tabus que precisam de ser desmistificados. Sinto que ainda temos um longo caminho a percorrer para que a tatuagem seja encarada como arte, na sociedade.

“Aconselho a quem se quer tatuar que se informe de forma a encontrar um estúdio de confiança e que cumpra as normas de higiene e segurança.”

O que é que para si mais contribuiu para este crescimento?

Acho que a comunicação digital foi um factor determinante. Acredito que a tatuagem tem vindo a ganhar uma conotação mais leve, começando, cada vez mais, a ser vista como arte ao invés de um acto de rebeldia ou revolta.

 

Como vê a (não) regulamentação da profissão?

Acho que é um processo que ainda precisa de ver muitas melhorias. Infelizmente, ainda temos um longo caminho a percorrer, mas aconselho a quem se quer tatuar que se informe de forma a encontrar um estúdio de confiança e que cumpra as normas de higiene e segurança.

 

O que é que para si, enquanto tatuadora, não é negociável?

O meu trabalho tem uma identidade própria. Faço apenas tatuagens de autora e só tatuo desenhos criados por mim, ou com os quais me identifique (como aqueles que são feitos por crianças). Tatuo exclusivamente com tinta preta e só utilizo produtos vegan. Também só tatuo pessoas que são maiores de idade. O desenho é feito no próprio dia e na presença de quem vem tatuar, ao invés de me enviarem desenhos por mensagem ou e-mail. Estes são traços identitários do meu trabalho, pelo que não prescindo deles.

 

Há algum tipo de tatuagem que se recusa a fazer?

Não faço nada que não se alinhe com a minha arte.

 

Já afirmou, por diversas vezes, que as tatuagens “salvaram a sua pele”. De que forma é que os desenhos que faz no seu corpo a ajudam com a psoríase?

Já gostava de tatuagens, mas, confirmo que, a ideia de tatuar o meu corpo surgiu muito associada ao facto de ter uma doença de pele, a psoríase. É uma doença que deixava a minha pele com muitas feridas e isso mexia com a minha segurança e fazia-me sentir observada de uma forma negativa. As tatuagens foram a forma que encontrei de disfarçar essas feridas. Quando comecei a tatuar-me, voltei a sentir confiança em mim, na minha pele e no meu corpo.

 

O que lhe dizem os dermatologistas que a acompanham nesta jornada?

Apenas confirmam que não há qualquer problema em tatuar, mesmo tendo psoríase, desde que a zona da pele a ser tatuada não esteja em ferida.

 

Tem uma tatuagem preferida?

As peónias que tenho no pescoço. Ao fazê-las, passei a assumir que sou uma pessoa que gosta de tatuagens. Tatuar certas zonas do corpo como o pescoço é uma afirmação, porque são zonas que mais dificilmente se consegue esconder no dia-a-dia. A partir do momento em que tenho o pescoço tatuado, qualquer pessoa que se cruze comigo sabe que sou alguém que gosta de gravar arte na sua pele, o que me agrada. As peónias simbolizam o feminino, também por isso as escolhi tatuar no pescoço — queria afirmar, com grande exposição, a minha feminilidade, assumindo a minha vulnerabilidade e a força que nela encontro.

 

Arrepende-se de alguma?

De várias. Não me arrependo de ter o corpo tatuado, mas sim na escolha precipitada e pouco informada de alguns dos artistas que escolhi na altura. Ao tornar-me tatuadora, desenvolvi uma visão muito própria da arte e do traço com o qual me identifico e, ao olhar para algumas das tatuagens que tenho no meu corpo, percebo que não se alinham com a visão e com o traço que, hoje, definem o meu gosto.

 

Quais são as próximas tatuagens que quer fazer no seu corpo?

Estou à espera de um momento especial para me tatuar, e ainda não defini algo concreto. Tenho de enviar um formulário para ser tatuada pela Sofia Dinis. A ver se tenho a sorte de ser selecionada. (risos)

 

Tatua-se a si própria, ou confia em alguém para assumir a agulha?

Fiz a primeira tatuagem em mim em 2016. Ainda em fase de teste e reconhecimento de material. Existe uma linha muito ténue entre paixão e obrigação que não quero ultrapassar.

 

Para quando as próximas vagas na sua agenda?

Actualmente, abro a minha agenda de 3 em 3 meses, através de um formulário cujo link partilho na minha página de Instagram e no meu site. Abri agenda no dia 3 de dezembro de 2023, para marcações para os meses de janeiro, fevereiro e março de 2024. O formulário fica disponível 24 horas para que quem queira ver a minha arte gravada no seu corpo possa partilhar, comigo, a sua ideia. Existem várias palavras para expressar gratidão e, no entanto, parece que nenhuma faz jus ao que sinto cada vez que abro a minha agenda.