Antónia Rosa: “Cada vez há mais trabalho e reconhecimento pela profissão”

Vinda de Paris, conquistou o mercado da maquilhagem profissional em Portugal com a sua energia e capacidade de inovação. Antónia Rosa é responsável pela equipa de maquilhagem da ModaLisboa e não se deixa intimidar pelo ambiente dos bastidores, levando música a todos os que a rodeiam.
Quando é que se sentiu fascinada pelo universo da maquilhagem?
A minha mãe maquilhava-se muito nos anos 70, como toda a geração de mulheres dessa década. Foi aos 7 anos que descobri que era possível sermos outra pessoa só usando um batom vermelho.
Chegou a Portugal com apenas 18 anos, vinda de Paris. Começou logo por trabalhar como make-up artist?
Sim, mas ao mesmo tempo tinha uma loja de discos importados… Era a primeira loja de música de dança do mundo em Portugal. Depois, sem dar conta, entrei no universo da moda. Como estava ligada à música cheguei a fazer de DJ para promover a minha loja, e por isso saía muito à noite. Foi onde conheci as pessoas que agora estão no topo do mundo da moda.
De que forma a cultura parisiense influenciou o seu método de trabalho?
Influenciou-me bastante e continua a influenciar. Nos anos 70 houve um boom a nível visual e cultural, e a minha criatividade aumentou ao ver tanta excentricidade.
“Para ser ser excelente tem de haver um dom e ter bom gosto, mas também é necessária muita cultura e estar receptivo”
Em 1988, quando começou a trabalhar, foi reconhecida como a “pioneira da maquilhagem mais inovadora em Portugal”. O que é que fazia de diferente?
Fazia o que se faz hoje: iluminar a pele com texturas gloss e iluminadores. Fui bastante criticada na altura porque usava batons para fazer sombras e blush. Criava as minhas cores e texturas para inovar os looks de moda e fazia sempre um tratamento cosmético flash, que não se ensina nas escolas de maquilhagem. E isso é exactamente o que faço agora! O que há de diferente no meu trabalho veio da pesquisa sobre outras décadas, uso um ou outro detalhe para renovar e inovar. Tenho a consciência de ter a ideia certa no momento certo, por causa da minha paixão pela beleza do século. E ao fim de 30 anos o que importa é a paixão, humildade e resiliência, para nunca abandonar o caminho.
Como analisa o sector da maquilhagem profissional actualmente?
A maquilhagem entrou na vida quotidiana das pessoas e a sua aceitação é cada vez maior. Podemos fazer mais e ousar mais porque é aceite. As texturas são maravilhosas e estão mais fáceis de trabalhar, portanto acho que toda a área da beleza beneficia com os updates que a sociedade nos dá. Cada vez há mais trabalho e reconhecimento pela profissão.
Mudou muito desde que começou a trabalhar?
Sim mudou …e muito! Relativamente à situação do país na altura, passámos da ditadura para uma abertura das fronteiras. Deu-se uma fusão cultural e surgiu o hábito de “vestir” o próprio corpo. A concorrência feminina tornou-se maior e a mulher portuguesa teve mesmo de aprender a arranjar-se e a valorizar-se, passando a estar atenta ao que existe no mercado.
E o que acha que mais contribuiu para essa mudança?
Penso que essa abertura das fronteiras e o surgimento do digital são os factores que mais alteraram os hábitos e o conceito de beleza. As redes sociais tiveram um impacto gigante e muitas vezes enganoso… A informação agora chega a toda a gente. Virtualmente e visualmente há uma grande libertação de costumes, não só em Portugal, mas a nível mundial.
Como é feita a actualização da formação de um profissional?
A actualização é feita pela necessidade de acompanhar o mercado, tanto da cosmética como da maquilhagem, sobretudo para entender as exigências dos clientes. No caso do trabalho na área da moda, é necessária muita cultura geral e o profissional tem de estar receptivo a tudo. Saber analisar e retratar. A experiência ajuda muito, claro, mas acho que para se ser excelente tem de haver dom e bom gosto.
Que desafios apresenta coordenar uma equipa num desfile de moda como a ModaLisboa?
Tentar manter a equipa unida e fazer com que os profissionais nunca se sintam constrangidos se não conseguirem chegar à imagem pretendida são os maiores desafios. É preciso ter muita calma, saber ouvir o estilista e saber transmitir à equipa a ideia certa, simplificando tudo o que há para fazer durante o processo. Temos de dar apoio constante e não dramatizar as situações. Somos entre 35 a 45 profissionais nos vários dias do evento. O segredo é: muita música!
Como funciona o processo criativo nos bastidores de um desfile? Ou esse processo começa muito antes dos desfiles?
Começo o processo criativo uma semana antes do primeiro dia, nos ateliers dos estilistas e em conjunto com a hairstylist do desfile. Há estilistas que são de fora e não tenho oportunidade de os conhecer pessoalmente então faço testes e envio-lhes fotografias. No próprio dia também crio looks mas gosto mesmo de estar preparada previamente para poder fazer um briefing aos meus “discípulos”. Muitas vezes os estilistas cresceram comigo e são meus amigos, por isso sei o que gostam e o que não gostam, logo não se perde tempo com dúvidas.
O que mais valoriza nesse diálogo com estilista e cabeleireiro?
Contamos todos uma história e vamos construindo tudo com o coração e intuição, sem deixar para trás as tendências. O trabalho de equipa é fundamental para ter um resultado coeso. O objectivo é o desfile ter um look agradável e espectacular, para os elementos da equipa e para o público que assiste.
Quando está a maquilhar a modelo, não resiste a fazer-lhe recomendações de bons hábitos, rotinas, etc, tendo em vista uma pele bonita e saudável? qual o melhor conselho que lhe pode dar?
Claro… educar também é uma das finalidades da profissão. Recomendo sempre a higiene básica, lavar, hidratar e esfoliar a pele uma vez por semana. Usar produtos de qualidade também é muito importante. E claro, beber muita água e ter atenção à alimentação… a pele com aspecto saudável passa muito por estes cuidados.
Há alguém que gostaria de maquilhar?
A minha mãe… morreu mesmo antes de eu aprender a profissão.
E há profissionais que para si são uma referência e/ou uma inspiração? O que é que eles têm que os torna tão especiais para si?
Topolino, Stéphane Marais e Peter Phillips. Os dois primeiros porque me levaram a ser aquilo que sou hoje através das suas influências, e o último porque o trabalho dele é genuíno. Adoro o seu estilo, é genial diferente de tudo o que vivemos hoje em dia.