FELICIANO FERREIRA “O SEGREDO ESTÁ EM NUNCA PARAR DE APRENDER.”

De filho de cabeleireira que dizia nunca querer seguir a profissão, a primeiro Redken Artist Internacional do país, a história de Feliciano Ferreira é feita de escolhas inesperadas, risco calculado e uma dedicação inabalável à formação e ao detalhe. Em entrevista exclusiva à Tom sobre Tom, abre-nos as portas do seu percurso pessoal e profissional, onde construir uma marca forte – dentro e fora do salão – sempre foi mais do que um objetivo: é uma missão.
Como foi crescer dentro de um salão?
Cresci a ver a minha mãe a trabalhar como cabeleireira, o que significava férias desencontradas com os colegas e festas de família passadas a correr, porque era ela quem tinha de pentear muitos dos convidados. Os fins de semana juntos também eram raros. Essa rotina marcou-me e, durante muito tempo, dizia que nunca queria seguir esta profissão, porque via de perto os desafios e não me imaginava a viver da mesma forma.
Ainda assim, acabou por mudar de rumo e abraçar a profissão. Como é que aconteceu?
Foi quase por acaso. A minha irmã, que também cresceu no salão, precisava de fazer a formação oficial, mas não queria viajar sozinha. Eu, que trabalhava como consultor comercial, decidi acompanhá-la nas viagens para o curso, na Associação de Cabeleireiros de Braga, que era em horário pós-laboral. E foi aí que percebi que talvez tivesse demasiado ‘’jeito’’ para a profissão.
Em apenas um ano, após tornar-se cabeleireiro certificado já tinha aberto o seu próprio salão. Como surgiu esta iniciativa tão rápida e ambiciosa aos 25 anos?
Posso dizer que o devo à minha mãe que cedo percebeu que o seu salão não correspondia ao potencial e ideias que eu tinha. Aliás, ainda antes de eu terminar o curso, enquanto trabalhava no salão com ela, já me incentivava a evoluir e a abrir o meu próprio salão. Embora me considere naturalmente empreendedor e não ter receio de dar o salto, tenho que admitir que foi a minha mãe quem tomou as rédeas naquele momento e tratou de tudo, desde procurar o espaço até cuidar dos detalhes práticos.
Quando abriu o seu espaço, que tipo de público atraiu?
Embora não tenha feito nenhuma selecção, acabou por acontecer naturalmente, isto é, começaram a vir clientes mais novas, com mais interesse por moda, por tendências e com um nível de exigência diferente. Não era tanto aquela cliente semanal, mas quem procurava mudanças de visual e resultados mais modernos. E isso mantém-se até hoje.
Hoje, podemos afirmar que o salão é já uma referência em Guimarães. Que desafios enfrentou para construir uma marca pessoal tão forte?
Construir a minha marca foi um processo de tentativa e erro, mas com momentos-chave. Um ano após abrir o salão, fui convidado para integrar a equipa Redken Artist em Portugal, que para mim representou uma validação profissional.
Como é o processo de criar e gerir uma equipa, especialmente nos momentos em que está ausente?
Criar uma equipa é um dos maiores desafios. A percepção da profissão tem mudado lentamente; durante anos, ser cabeleireiro deixou de ser algo desejado, mas acredito que a minha geração tem ajudado a devolver estatuto e importância à profissão. Ainda assim, o recrutamento continua a ser uma tarefa difícil, sendo que prefiro pessoas sem experiência mas com vontade de aprender, porque a parte técnica eu ensino. A atitude, o cuidado no atendimento e o bom senso não se ensinam. Encontrar pessoas com os mesmos valores e compromisso é um processo contínuo.
Olhando para o seu percurso, quais foram os momentos ou decisões-chave que o ajudaram a alcançar o patamar e o reconhecimento que tem hoje?
Vários momentos decisivos marcaram a minha evolução. Integrar a equipa de Redken Artist foi uma validação importante, assim como contratar a primeira recepcionista, o que melhorou a percepção de qualidade do serviço. O primeiro show com a Redken em Portugal desafiou-me a equilibrar criatividade com racionalidade, e estar com o Sam Villa nos bastidores transformou a minha visão sobre ser artista. O primeiro show internacional em Milão concretizou uma visão, e, embora tenha sido incentivado a mudar para Lisboa, escolhi ficar em Guimarães, provando que é possível alcançar sucesso internacional fora dos grandes centros, com foco e trabalho.
Em que consiste exactamente o trabalho de um Redken Artist Internacional?
É um trabalho que vai além das competências técnicas, focando também nas competências como apresentador, formador e performer. Este profissional deve ter a capacidade de comunicar de forma eficaz com uma grande audiência, ter uma postura cuidada, interagir com as modelos e dominar o palco. A preparação nos bastidores, incluindo a criação de scripts e fluxos de energia, é crucial para garantir uma apresentação fluída e impactante. Além da técnica, é essencial criar uma imagem de marca forte e apelativa, não só no mercado local, mas também internacionalmente. Para um português, como eu, isso é um desafio maior, mas que já provei que é possível conquistar reconhecimento global. Assim como também acredito que quem vier depois de mim atingirá patamares ainda mais altos.
O que representa para si ter sido o primeiro português a tornar-se um Redken Artist internacional? O que mais terá contribuído na sua opinião para ter sido o escolhido?
Acredito que o que me diferencia é a minha capacidade de perceber o que a marca precisa ao contratar um artista para inspirar e motivar a distribuição. Uma apresentação internacional envolve muito mais do que apenas o que fazemos em palco; é crucial entender o objectivo da marca, as necessidades da distribuição e como impactar a audiência, considerando as diferenças culturais de cada país. O meu trabalho vai além do palco, com 95% do meu tempo a ser dedicado aos bastidores, trabalhando com a equipa, modelos e todos os envolvidos no evento. Esse trabalho nos bastidores cria um impacto duradouro, e a partir do momento em que tive a minha primeira oportunidade, o reconhecimento espalhou-se rapidamente entre países.
De que forma é que trabalhar em cidades como Madrid, Barcelona, Milão, Las Vegas e Nova Iorque, com profissionais de diferentes culturas, influenciou o seu trabalho e a sua visão sobre a indústria?
Trabalhar em todas essas geografias deu-me uma perspectiva muito mais ampla da indústria e, acima de tudo, fez-me valorizar ainda mais a qualidade do trabalho que temos em Portugal. Temos profissionais altamente qualificados, mas que nem sempre são reconhecidos pelo nosso mercado nacional, sendo por vezes mais fácil obter reconhecimento lá fora. Sempre que vou a esses países, aproveito para visitar salões locais, partilhar conhecimento e aprender, porque acredito que essa troca enriquece o trabalho e tem impacto positivo em tudo o que faço. Apesar das diferenças culturais, a globalização e a internet tornaram os estímulos e tendências bastante universais, o que é fascinante.
Alguma dessas geografias o marcou especialmente?
Não consigo destacar uma em particular, porque o impacto vai muito além da parte técnica do cabelo como já referi. Prende-se sobretudo com a conexão humana que se cria em cada lugar. As experiências criam memórias por causa das pessoas envolvidas. Por exemplo, estive no Chile há três anos e ainda hoje recebo mensagens de profissionais de lá, a perguntar como estou, a pedir conselhos ou simplesmente a manter contacto. Essa continuidade no relacionamento é o que torna cada lugar verdadeiramente especial.
Partilha com os clientes tudo aquilo que alcança como profissional? Como é que reagem?
Mostro às clientes que faço parte de um grupo restrito, que forma outros profissionais, o que me dá um estatuto “especial” pois sou valorizado de outra forma, ao ponto das clientes sentirem “orgulho” no seu cabeleireiro e com isso divulgarem o meu trabalho de forma orgânica e gostarem de ser fotografadas comigo no salão. Mas também é importante dizer que este “sucesso” junto das clientes se alicerça na transparência, explicando processos, preços e gerindo expectativas. Para além disso, o contacto permanente com colegas de profissão e a visita a outros salões ajudaram-me a optimizar os serviços e a experiência. Fazer parte da “tribo” Redken é isto, partilhar, e crescer juntos para que todos alcancem o sucesso. E estar sempre disponível para aprender foi essencial para consolidar a minha marca.
É reconhecido pela excelência em “loiros perfeitos” e pelos tons naturais que cria. Como foi construindo essa assinatura técnica e artística ao longo dos anos?
O fascínio pelos loiros vem de dois factores principais: o desafio técnico que representam, e que me estimula, e a vontade de elevar e diferenciar uma técnica que hoje em dia se generalizou com as balayages. Para isso desenvolvi uma abordagem própria, focada na compreensão profunda do processo, aliando colometria, design e técnicas como air touch ou backcombing. E integro sempre corte e cor de forma intencional, adaptando cada trabalho à realidade da cliente.
Por toda esta experiência em coloração, como vê o poder da coloração na transformação não só do visual, mas também no impacto emocional e de auto-estima nos clientes?
Acredito que a coloração tem um impacto emocional profundo: mais do que transformar a imagem, reforça a autoestima. A verdade é que ninguém se sente verdadeiramente feliz quando não gosta da sua imagem ao espelho, e é aí que o nosso papel como profissionais se torna tão importante. Ajudar alguém a sentir-se bem consigo mesmo, a gostar do que vê, é uma responsabilidade enorme e, ao mesmo tempo, um privilégio. Exige saber ouvir, ter empatia e a capacidade de fazer as perguntas certas para perceber o que cada cliente realmente precisa, mesmo quando não o expressa directamente. No fim, o que marca a diferença não é apenas o resultado técnico, mas a experiência vivida no salão e a forma como a cliente se sente ao olhar-se ao espelho. É isso que a faz voltar.
Para além de cabeleireiro, Redken artist Internacional, tem um papel ativo na formação. O que mais o motiva nesse papel de formador?
O que mais me motiva é, por um lado, a possibilidade de partilhar conhecimento que pode realmente fazer a diferença na vida dos outros profissionais, seja a nível técnico, financeiro ou até mesmo na gestão do stress diário no salão. Saber que estou a contribuir para que alguém trabalhe de forma mais confiante e tranquila é extremamente gratificante. Por outro lado, para mim, enquanto profissional e pessoa, a formação funciona quase como uma terapia, como uma forma de respirar fora da intensidade do dia- a-dia no salão. Apesar de continuar a trabalhar com cabelos, é uma experiência diferente, que me permite recentrar e alimentar a minha paixão pela profissão de uma forma renovada.
E como transfere todo esse conhecimento para a sua equipa?
A transferência de conhecimento para a minha equipa acontece de forma muito orgânica, graças à proximidade com que trabalhamos e à vontade constante de aprender. Muitas vezes, a aprendizagem surge pela observação directa do trabalho diário, especialmente com os elementos mais novos, que estão sempre próximos de mim ou do meu assistente, integrando-se naturalmente nos processos. Complementamos isso com momentos de formação interna, onde fechamos o salão para nos dedicarmos exclusivamente ao treino técnico. No entanto, acredito que é fundamental ter contacto com diferentes profissionais, porque só assim se amplia verdadeiramente a visão e o conhecimento. A diversidade de experiências é insubstituível, foi isso que moldou o profissional que sou hoje.
Como vê o futuro da formação profissional perante os desafios do sector e dos hábitos de consumo do cliente, em particular das novas gerações?
O maior desafio é lidar com as expectativas da consumidora final, especialmente devido à influência das redes sociais, que muitas vezes criam uma imagem irreal do que é possível alcançar em termos de resultados rápidos e fáceis. Isso leva a uma disparidade entre o que é prometido e o que realmente pode ser entregue, tornando a gestão dessas expectativas muito difícil. A forma de combater isso é com verdade, partilhando conteúdos mais orgânicos e com menos edições, e explicando de forma clara o tempo e o custo necessários para alcançar os resultados, como no caso de um aclaramento, que não pode ser feito em poucas horas.
E na sua perspectiva como é que se conquista essas novas gerações tanto enquanto consumidores de um salão como enquanto futuros talentos da profissão?
Conquistar as novas gerações passa, antes de mais, por entender os seus comportamentos e motivações. Enquanto consumidores, os mais jovens valorizam experiências que possam ser partilhadas e que lhes tragam um sentimento de pertença e orgulho: querem resultados visíveis, mas também contextos visualmente apelativos onde possam criar conteúdo e mostrar onde estiveram. Se um salão for um espaço onde se sentem representados e que lhes “dá status”, é meio caminho andado. Já enquanto futuros profissionais, acredito que a profissão esteja a tornar-se cada vez mais apelativa, também muito graças às redes sociais, que mostram que ser cabeleireiro hoje vai muito além de estar atrás de uma cadeira. Mostram que é possível ter uma carreira com projecção e estabilidade financeira. No entanto, nas redes sociais a formação e a exigência da profissão nem sempre são visíveis. Por isso, eu tento sempre nas minhas redes sociais criar um equilíbrio entre mostrar a parte técnica, a formação e alguns aspectos pessoais, para transmitir uma versão mais real do que é vida de um cabeleireiro.
Quais são os seus maiores desafios no equilíbrio entre a gestão do salão, o trabalho enquanto Redken Artist, formação e outros projetos que vão surgindo?
Há dias em que não consigo (risos!), especialmente a vida pessoal. A chave é rodear-me das pessoas certas para ter apoio e, por vezes, tomar decisões para aliviar a carga, como contratar ajuda para tarefas profissionais e pessoais. O essencial é identificar onde estou a gastar energia e encontrar formas de a recuperar para continuar a fazer o que gosto.
Há algum sonho ou projecto em mente que possa partilhar?
Tenho projectos em todas as áreas da minha vida — salão, formação e pessoal. No salão, preparo um novo salto, possivelmente o maior até agora, embora ainda numa fase inicial. Como formador, espero uma grande viragem este ano ou no próximo, com destaque para o contexto internacional. A nível nacional, o cenário é mais estável, mas há eventos importantes. Pessoalmente, o objetivo é simples: ter mais tempo, mesmo que seja um desafio conciliar com tudo o resto.