Helena Vaz Pereira: “Continuo a sentir felicidade no meu trabalho e acredito que o melhor desafio ainda está para vir”
É desde sempre uma referência como hairstylist, o que lhe mereceu o reconhecimento no universo da moda onde Helena Vaz Pereira se destaca enquanto coordenadora da equipa de hairstylists da ModaLisboa e nos editoriais de moda que realiza para várias revistas de referência. Com mais de 30 anos de carreira, procura a constante inovação no seu trabalho. A Tom sobre Tom voltou ao Griffehairstyle, para uma conversa descontraída e inspiradora, sobre talento, paixão e felicidade.
O seu percurso profissional está repleto de momentos marcantes. Desde 1993 que marca presença no mundo da moda, colaborando como coordenadora da equipa de hairstylists na ModaLisboa. Foi também nesse ano que abriu o Griffehairstyle, o espaço que a faz sentir em casa. Trabalhou também em vários editoriais para revistas como a Vogue, Elle, Máxima, GQ, entre outras. Foi premiada dois anos consecutivos no Fashion Awards Portugal, na categoria de Melhor Hairstylist de Moda, e tornou-se Embaixadora da L’Oréal Professionnel em 2012, fazendo também parte da Equipa de Educação.
Foi no cabeleireiro da sua prima que ganhou a paixão pelos cabelos. Como surgiu o fascínio por esse universo?
Tudo aconteceu muito naturalmente… nós somos cinco irmãos e a minha mãe sempre gostou de nos cortar o cabelo! Era um ritual que acontecia lá em casa e do qual eu gostava muito. Mais tarde, com 16 anos, comecei a ir para o salão da minha prima aos fins de semana e fui percebendo que era aquilo que queria fazer. Contra a vontade dos meus pais, lutei muito e consegui convencê-los.
Mas o que é que a apaixonava nesse ambiente de salão?
Adorava tudo! O ambiente da beleza, cheiros do salão, a transformação e o impacto que pode ter numa pessoa, na sua auto-estima e felicidade. Não me cansava de ver os cabeleireiros a finalizar os visuais, a arte de pentear e toda a parte estética do antes e depois. Cedo percebi que podia fazer parte dessa mudança, tornar as pessoas felizes e bonitas, era o que me atraía.
Que alterações identifica no papel do cabeleireiro desde esse tempo?
Há 30 anos atrás tudo era diferente, desde a forma de estar à forma do cabeleireiro se apresentar. No início dos anos 80, quando comecei a trabalhar, as referências eram outras e os produtos também: o ambiente no salão, a exigência da cliente e os looks muito exagerados. Também não havia tanto cuidado com a saúde do cabelo e a exigência junto dos profissionais não era tão grande como é hoje em dia. Existia confiança entre o cabeleireiro e a cliente, mas havia mais margem para erro. Agora a consumidora é muito mais exigente, o que obriga o hairstylits a estar muito mais informado, atualizado e atento ao mundo. E claro, o tempo e a rapidez com que tudo acontece agora pressionam constantemente o profissional. Afinal mudou tudo…
O que acha que mais contribuiu para essa mudança?
No fundo o que mais contribuiu para essa mudança foi o digital, a evolução tecnológica das marcas e a preocupação real da sustentabilidade. A pressão das redes sociais leva à não existência de “filtro” para ditar as tendências, o que se torna um perigo que tem de ser controlado pelo profissional. Temos de estar muito bem informados porque aparecem consumidoras no salão a acreditar em coisas que não são reais e possíveis, e isso obriga-nos a dominar a informação e a técnica. Aí entra a formação, que é importante a todos os níveis. Não chega ter talento, temos de trabalhar! Temos de ter uma leitura realista do que é verdade e do que não é. Hoje as redes sociais “colocam tudo no mesmo saco”, o que torna difícil distinguir quem é bom profissional e quem não é.
Hoje, com um percurso de mais de 30 anos, o que foi determinante para chegar ao nível de reconhecimento que tem?
Trabalho, paixão, e muita humildade… temos de estar abertos a experimentar e inovar. Há uma necessidade constante de estar actualizado e não se pode ficar confortável. Temos de ser resilientes! Se sentimos que já estamos confortáveis é um problema… temos de nos adaptar, estar atentos, inovar e querer evoluir. Tudo passa de moda e temos que estar à frente. É um desafio para quem gosta daquilo que faz, e eu não gosto de coisas fáceis!
Fez formação em academias internacionais onde regressa todos os anos para “refrescar conhecimento”. Porque sente esta necessidade?
A formação parte da vontade de melhorar e evoluir… a curiosidade de saber o que está a ser feito nas academias internacionais, nem que seja para perceber se estamos no caminho certo. Há formações às quais assisto e penso que em Portugal não estamos assim tão “atrasados” porque também já fizemos algo idêntico. Por isso é fundamental ter formação. Há tantas técnicas e formas de chegar a um objectivo, é muito importante ter a abertura de ver como trabalham os outros profissionais no mundo, e querer experimentar outras coisas. É como um músculo numa ida ao ginásio; quanto mais tu vais mais vontade tens de treinar.
Como se reflete essa formação no seu trabalho?
O meu objectivo é chegar a um patamar de excelência e os desafios são a mim própria e à minha equipa. Claro que há erros, mas o que importa é saber corrigir o erro. Errar faz parte da aprendizagem. A evolução está em tentar fazer diferente, experimentar novos produtos e técnicas, e de seguida partilhar. Se não há partilha e o profissional “fica numa bolha”, não há crescimento. Aqui entra a formação e a L’Óreal Professionne (LP), que desde que me convidou para ser Embaixadora e fazer parte da Equipa de Educação, para mim foi incrível! Nunca tinha tido um envolvimento assim. A LP deu-me outra dimensão, elevou o meu trabalho e criou expectativas que sozinha não chegaria lá. Porque para além da Formação Técnica, disponibiliza informação de marketing, desde o conceito Salão Emotion, aos sete passos fundamentais da consumidora.
E onde vai procurar inspiração para os seus trabalhos?
A inspiração está em tudo. Podemos inspirar-nos num animal, na natureza, numa cor. Eu gosto de viajar! Gosto de pessoas, formas, decoração, arquitectura, fazer outras coisas fora do universo dos cabelos, e claro, tenho as minhas referências em todas essas áreas. Também estou atenta aos jovens porque são eles que rompem com as correntes. O facto de ter dois filhos obriga-me a estar atenta ao que está a acontecer, e por isso inspiro-me muito neles. O processo criativo é que é o mais difícil porque é preciso chegar a um conceito quando já está tudo inventado. A forma como olhamos para as coisas é que muda , sendo que é preciso ter abertura para saber olhar o mundo.
Com apenas 22 anos abriu o Griffehairstyle, um espaço onde “me sentisse feliz e pudesse receber as pessoas como se fosse a nossa casa”. Esta identidade mantém-se apesar das várias alterações que já assistimos no Griffehairstyle?
Eu sinto que passo tantas horas no salão que se torna a minha segunda casa, minha e da minha equipa, que é a minha família. Por isso é fundamental manter essa identidade que se traduz na experiência com a cliente que tem de ser agradável e de proximidade. Hoje em dia noto uma evolução nas clientes que nos procuram pela primeira vez e que depois voltam… aí percebo que fizemos um bom trabalho porque a fidelizámos. O diagnóstico enquanto falamos, tentar perceber a expectativa da pessoa, o que a trouxe ao salão, o que procura e qual a sua necessidade. Ou seja, fazê-la sentir-se em “casa”.
O que mudou realmente?
Quando o espaço muda, essa mudança dá um “refresh” na equipa. Altera-se o espaço, a decoração… mas as pessoas que nele trabalham, a equipa, é que é o ponto principal. O que eu transmito à minha equipa é que nós é que temos de mudar, inovar, ser melhores. O nosso objectivo é ter um serviço de excelência e perceber as falhas e no que podemos melhorar.
“A criatividade é como um músculo, quanto mais vezes se vai ao ginásio, mais vontade dá de treinar”
-Helena Vaz Pereira
Assume-se como a directora artística da equipa. Em que é que essa função se traduz?
Ter uma equipa é o mais desafiante. Tenho pessoas há muitos anos e outras há pouco tempo. Uns que saem, uns que voltam… há uma enorme dinâmica de equipa. O meu papel como directora criativa é motivá-los e desenvolver o que cada um tem de melhor para que estejam todos alinhados. Mas não gosto de coisas formatadas. Havendo uma linha orientadora traçada por mim e pela Sofia (Gonçalves), há espaço para a individualidade. A excelência e a vontade de aprender é que traçam o caminho, a partir daí há sempre essa liberdade que torna as equipas mais ricas.
O seu percurso passa essencialmente pelo mundo da Moda, com a coordenação da equipa de cabeleireiros da ModaLisboa há mais de 20 anos e com colaborações regulares em editoriais de moda com várias revistas. Que desafios apresenta coordenar uma equipa num desfile de moda como a ModaLisboa?
A pressão, organizar muitos desfiles por dia… Uma edição nunca é igual a outra e isso para mim é o desafio maior. Na ModaLisboa cada designer conta a sua história, e funciona como um trabalho de equipa onde há a colecção de roupa, o cabelo e maquilhagem. É um trabalho em cadeia que exige preparação prévia e organização. No dia desfile o desafio é mais “mecanizado” porque passa por reproduzir uma ideia em oito ou doze desfiles por dia, com 20 manequins cada. Sendo que são todos seguidos temos de ter uma organização muito detalhada e toda a equipa tem de estar treinada e alinhada. Surgem sempre imprevistos e temos de ter a capacidade de os resolver e passar à frente! É acima de tudo um trabalho de equipa, só na parte de cabelos são cerca de 20 pessoas…poucos mas bons (risos!)
O que mudou no papel que os cabelos assumem nos desfiles de moda?
Há 20 anos era tudo muito rudimentar, não havia sponsors, as equipas eram pequenas, as manequins acabavam por ajudar na preparação dos próprios cabelos. Hoje em dia há toda uma organização profissionalizada. Ao nível de imagem, o cabelo não sendo o protagonista sempre teve muita importância. Afinal um cabelo pode destruir todo o visual … tem de estar enquadrado na “história” que o designer quer contar com a colecção que vai apresentar.
Como funciona o processo criativo, quer nos bastidores de um desfile, quer num editorial de moda? É muito diferente?
Não é muito diferente, apenas muda a pressão e a quantidade. Os dois são trabalhos de equipa. No editorial, o cabelo faz parte da história que o stylist tem para contar e o fotógrafo, o maquilhador e o hairstylist têm de estar em sintonia com o stylist. Num desfile é a mesma coisa, a roupa é a protagonista, mas tudo o resto tem de contribuir para a imagem total para que a roupa projecte a história.
Fale-nos do diálogo com os restantes elementos da equipa (desfile: criador e makeup); editorial: stylist, maquilhador e fotógrafo)
Por vezes é difícil porque existe uma ideia inicial que pode não ser executável e o hairstylist tem de explicar a sua opinião como expert em como irá funcionar de outra maneira. Às vezes na foto não funciona como na realidade, e por isso é um trabalho de construção e sensibilidade que exige sempre um diálogo entre todas as áreas, mesmo da própria manequim. Tem haver com confiança e partilha da própria experiência.
Quando está a preparar o cabelo da modelo, não resiste a fazer-lhe recomendações de tratamentos, cortes …
Claro que sim, sempre. Faz parte e elas precisam porque são jovens e têm de ter o cabelo saudável porque trabalham com a imagem. Para tirar partido do cabelo e conseguir executar os trabalhos elas precisam de conselhos profissionais.
As exigências e desafios num salão e num desfile/editorial são certamente diferentes. Fale-nos sobre essas diferenças.
Os dois são desafiantes. Através da moda e dos trabalhos que faço consigo trazer para o salão uma actualização e uma inspiração que de outra forma não conseguiria ter. A carreira vai-se construindo à imagem do que somos e as minhas clientes procuram-me exactamente porque sabem que lhes vou dar um bom conselho, que estou actualizada, que trago um pouco dos trabalhos que faço fora do salão. Mas admito que por vezes é mais desafiante fazer a cliente feliz…
Ao fim de todos estes anos, o que a continua a apaixonar neste universo da moda?
Apaixona-me o desafio. Eu gosto da adrenalina da preparação e de viver coisas novas, participando no processo criativo. E isso continua a fascinar-me! É muito cansativo, mas quando se faz o que gosta não se sente cansaço. Eu adoro a experiência da expectativa, dos nervos e da responsabilidade, e continuo a ficar nervosa com situações de trabalhos que não conheço. Por exemplo, recentemente aceitei o projecto de ser coordenadora de imagem em projetos de ficção da Plural, e o trabalho com atrizes é o oposto do manequim. E é um desafio muito grande que nunca tinha feito. Continuo a sentir felicidade no meu trabalho e acredito que o melhor desafio ainda está para vir…
Diz que o caminho “é sempre em frente”, com uma atitude destemida ao encarar o futuro. O que podemos esperar da Helena no futuro?
O Griffehairstyle vai ter um novo espaço com a promessa de tentarmos ser ainda melhores e continuar com um serviço de excelência (já anunciado aqui) . Ser feliz, fazer o que gostamos, estarmos bens e sermos agradecidos por termos uma profissão que adoramos fazer é a mensagem que deixo. Eu não me via a fazer outra coisa e isso é uma gratidão imensa que tenho. Há tanta gente que não se sente realizado e sentir-se realizado compensa tudo.