Marco Ferreira: O lado terapêutico da maquilhagem
Cruzou-se com o mundo da beleza por acaso e hoje divide a sua vida entre a maquilhagem, a terapia ocupacional e a estética. Marco Ferreira foi o primeiro esteticista masculino em Portugal e criou a maquilhagem terapêutica, projecto pioneiro que reabilita os seus pacientes tanto a nível físico como emocional, e que realça a inovação e excelência dos profissionais de estética. Um percurso profissional, uma história de vida de um artista sem palco para conhecer em entrevista à Tom sobre Tom.
Como surgiu o seu interesse pela área da estética?
Trabalhei na área da informática cerca de dez anos. Estava ligado à formação profissional e coordenei centros de formação profissional até receber uma proposta da Tecnitalentos, que era uma escola de formação de cabeleireiros na altura, para assumir a sua coordenação pedagógica. Era uma área completamente diferente da minha, mas aceitei o desafio e quando a Tecnitalentos lançou o primeiro curso de estética decidi inscrever-me, porque esta área sempre suscitou o meu interesse, pois já tinha feito uma formação de tatuagem, micropigmentação e piercings, bem como uma formação em maquilhagem em 1995. De início foi muito difícil, mas comecei a gostar e no final do curso, em 2006, a Holiclínica decidiu recrutar-me e assim começou o meu percurso na estética. Hoje em dia, sou formador nacional de aromaterapia.
Tornou-se, assim, o primeiro esteticista do sexo masculino em Portugal. Como foi a aceitação das clientes tendo em conta que a maioria era certamente feminina?
Foi muito interessante. No início quando faziam as marcações, avisavam as clientes que o esteticista era homem. E as clientes indignadas respondiam: “Mas é profissional, não é? Então não interessa se é homem ou mulher. Eu quero é um profissional.”
A estética, enquanto profissão, continua a ser um mundo de mulheres?
Já começa a haver muitos mais homens esteticistas a nível nacional e já existem alguns dedicados a áreas específicas: massagistas, nail artists, etc. Por outro lado, os clientes do sexo masculino apresentam uma maior procura pelos serviços de estética e uma preocupação com a imagem cada vez maior e há várias situações em que preferem ser tratados por outros homens, nomeadamente em epilações integrais ou técnicas de massagem que impliquem mais força ou mobilização/manipulação.
Quais os serviços mais procurados?
Os tratamentos de rosto (limpeza de pele), massagem e epilação são os tratamentos mais procurados seja por homem seja por mulher.
E porque decidiu formar-se em terapia ocupacional?
Eu sou muito curioso e gosto sempre de andar a estudar, então decidi frequentar mais um curso mas apenas por gozo pessoal pois a minha intenção não era exercer. Tinha pensado em fisioterapia, mas descobri a terapia ocupacional que me pareceu mais interessante e em 2010/2011 entrei na Escola Superior de Saúde de Leiria para tirar o curso. Trabalhei com crianças nesta área e o meu projecto de maquilhagem terapêutica é, de facto, a fusão entre a maquilhagem e a terapia ocupacional.
Em que momento percebeu que podia unir as duas áreas?
Foi algo que aconteceu naturalmente. Os meus colegas terapeutas ocupacionais reconheceram a técnica e começaram a convidar-me para falar sobre ela em hospitais e congressos e quando as televisões souberam disto foi um boom.
No que consiste a maquilhagem terapêutica e qual o seu principal objectivo?
Na terapia ocupacional, a maquilhagem é um pretexto, usamo-la como uma atividade motivacional na reabilitação da pessoa. Não se trata só do embelezamento e da parte psicossocial e emocional, a cliente já gostava de se maquilhar então usamos as técnicas e instrumentos de maquilhagem para a reabilitar. Às vezes são necessárias 10 a 15 sessões para a cliente aprender a maquilhar-se, depende do seu desempenho, se é necessário adaptar materiais, etc.
MAQUILHAGEM TERAPÊUTICA VS. MAQUILHAGEM RECONSTRUTIVA
A maquilhagem reconstrutiva já se faz no mundo inteiro inclusivamente em Portugal. É aquela em que um cliente que por exemplo está queimado no rosto ou um doente oncológico recorre ao trabalho do maquilhador para disfarçar todas essas “imperfeições”: para ir a um casamento, sair à noite, etc. Enquanto a maquilhagem terapêutica é feita por um terapeuta ocupacional ou por um técnico de saúde com formação em maquilhagem terapêutica e usada como recurso terapêutico.
Como reagem os clientes após uma sessão de maquilhagem?
Vou partilhar consigo o exemplo da Sandra, uma cliente que não publicava uma única fotografia nas redes sociais desde que tinha tido o seu acidente há 4 anos: Depois da primeira intervenção, em que somos nós [terapeutas] que maquilhamos a cliente para que perceba o objectivo para as próximas sessões, ela fartou-se de tirar selfies e de as partilhar nas redes sociais. Entretanto, acabaram as sessões de intervenção e liguei-lhe a perguntar como estava ao que ela me responde: “Já não me maquilho. Já não me faz diferença, eu já me aceito e já não me faz confusão sair sem maquilhagem.” E isto acontece com vários clientes e é um fenómeno muito gratificante.
Há algum comentário que nunca irá esquecer?
“É a primeira vez que alguém me toca como pessoa e não como queimada”, da Carla da Luz, e isto é a maior gratificação de todas e uma alavanca para continuar a trabalhar de sorriso na cara.
Que alcance é que gostaria que este tipo de maquilhagem viesse a ter em Portugal e o que está a fazer para que isso aconteça?
O meu sonho era que a técnica fosse reconhecida e apoiada pelo Ministério da Saúde. Neste momento, estou a trabalhar em conjunto com a minha colega Sara Miguéns do Hospital de S. João de Deus em Montemor-o-Novo numa academia de formação especializada em maquilhagem terapêutica.
Descubra as datas das próximas formações com Marco Ferreira em: www.tomsobretom.pt/formacoes/